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Jovem Cientista | Lutando por representatividade desde a infância, ela conquistou seu espaço na pesquisa: “É importante sentir que você pertence”

Com mestrado e doutorado em genética, Camila Calixto trabalha com sequenciamento genômico no Butantan


Publicado em: 19/06/2023

Nas salas de aula do ensino médio, no mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP), e em todos os lugares em que trabalhou, Camila Calixto Moreira Dias sempre foi uma das únicas pessoas negras presentes. A falta de representatividade ao seu redor a fez crescer sem reconhecer realmente a sua identidade e se sentindo sozinha nos lugares que ocupava. Mas ela sabia onde queria chegar. Apaixonada por ciências desde a época da escola, Camila fez graduação em biologia e mestrado e doutorado em genética. Hoje, aos 41 anos, trabalha com sequenciamento genômico no Butantan e busca ser um exemplo para outras meninas e mulheres negras.

Nascida em Ribeirão Preto (SP), Camila se interessou muito por genética quando estava na faculdade. “Tracei uma meta de entrar em um dos melhores programas de pós-graduação da área no Brasil. Foram dois anos estudando e aprimorando o meu inglês para conseguir entrar no mestrado da USP”, conta. Foi também durante o mestrado que Camila teve sua filha, Betina, hoje com 12 anos. “Eu me tornei mãe, me tornei mestre. E continuei estudando.”

 

Com mestrado e doutorado, Camila Calixto sempre foi uma das únicas pessoas negras presentes nos ambientes acadêmicos que frequentou

 

Há seis anos, a bióloga se mudou para São Paulo e começou a trabalhar como professora de ciências de uma escola. Depois, atuou em uma empresa especializada em análise genômica e, durante a pandemia de Covid-19, foi contratada pelo Butantan. Hoje, é responsável por compilar os metadados dos sequenciamentos realizados pelo Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS), que investiga as variantes dos vírus circulantes no Brasil. Em meio às suas conquistas profissionais, a cientista vê que a diversidade ainda é escassa no ambiente acadêmico e corporativo, e sente um desconforto de não ver semelhantes ao seu redor.

“Eu me sinto privilegiada de estar nesse patamar, mas eu gostaria de ver mais pessoas negras ao meu lado. E representantes de outros grupos, como LGBTQIA+ e pessoas, com deficiência.”

Camila acredita que o seu histórico acadêmico contribuiu para que não sofresse tanta discriminação como outras pessoas negras que não têm as mesmas oportunidades. Ela afirma que, inconscientemente, mesmo não compreendendo muito bem o racismo quando era mais nova, quis provar a sua capacidade fazendo mestrado e doutorado, justamente para não sofrer (ou sofrer menos) preconceito.

Ainda assim, a cientista relembra alguns casos, como quando morava em um prédio na região central da cidade e saiu para dar aula. O motorista do carro de aplicativo automaticamente assumiu que ela estava saindo do trabalho, e não que ela de fato morava naquele edifício.

 

Contrada durante a pandemia de Covid-19, Camila é responsável por compilar os metadados dos sequenciamentos realizados pelo CeVIVAS

 

Pertencimento

Camila passou a maior parte de sua infância e adolescência convivendo mais com a família de sua mãe, que é branca, tendo pouco contato com os familiares de seu pai e a cultura negra. Ela conta que os outros não a viam como negra e a chamavam de “morena” ou “moreninha clara”. Foi com o passar dos anos, depois de aprender mais sobre suas raízes e fazer transição capilar, que a cientista de fato compreendeu os preconceitos que sofria e abraçou a sua identidade.

“Quando era pequena, me falavam que eu não parecia com a minha mãe, e eu tinha muito medo de não me identificar.”

Para Camila, promover diálogos sobre diversidade no ambiente familiar, nas escolas, no trabalho, na mídia, e ter representantes das minorias ocupando esses espaços, ajuda a trazer diferentes visões e conhecimentos e desconstruir preconceitos. Ela enxerga que a representatividade hoje, para a geração de sua filha, é muito maior do que na época de sua infância, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

“Nós sempre nos espelhamos em alguém, principalmente quando criança. Representatividade é olhar ao redor e se sentir confortável. É importante sentir que você pertence, que você não está destoando, e que ali também é o seu lugar.”

 

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Comunicação Butantan